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Confira o mapa da violência em Campos

Terceira Via fez um "retrato falado" dos crimes cometidos no município

Campos
Por Thiago Gomes
19 de dezembro de 2016 - 10h08

Três dos crimes considerados mais comuns já somam maior número de casos nos oito primeiros meses de 2016, em Campos, do que em todo ano passado, segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ). São 173 homicídios até agosto, contra 168 em 2015; 798 roubos a pedestres no mesmo período de 2016, ao passo que no ano passado ocorreram 691; roubos de celulares já são 139 contra 115 em 2015. Com base nesses números, O JORNAL Terceira Via fez o “retrato falado” da violência no município e também ouviu os delegados responsáveis pela Delegacia do Centro e pela Delegacia de Guarus.

Segundo a Polícia Militar, os crimes de homicídio são mais comuns nos parques Santa Rosa, Eldorado (Sapo I e Sapo II) e Santa Helena, área onde ocorre guerra das facções Amigos dos Amigos (ADA) e Primeiro Comando Puro (PCP) pelo domínio do tráfico. Este ano foram 102 homicídios e 151 tentativas de homicídio registradas na 146ª DP (Guarus) e 71 homicídios e 96 tentativas de homicídio ocorridas na área de atuação da 134ª DP (Centro). Ainda em relação às tentativas de homicídio, os números do ano passado já são os mesmos dos oito primeiros meses de 2016: 247.

Já em relação às ocorrências de roubos a pedestres e roubos de celulares, a área central do município é a mais visada pelos bandidos, assim como para roubos e furtos de veículos e estupros. A maioria dos casos ocorreu na área de atuação da 134ª DP tanto em 2015 quanto em 2016.

As apreensões de drogas foram mais comuns no Centro neste ano e em 2015. A 134ª DP registrou 594 casos e a 146ª DP ficou responsável por 556, num total de 1.150 apreensões em 2015. Em 2016, até agosto, foram 393 na área central e 265 em Guarus, num total de 658.

De acordo com o comandante do 8º Batalhão de Polícia Militar de Campos (BPM), tenente-coronel Marco Aurélio Pires Louzada, responsável pela corporação desde janeiro, vários fatores influenciam o aumento ou a diminuição da violência, que independem da atuação da PM.

“A violência é uma questão muito complexa, são várias questões interligadas. O importante é dizer o seguinte: quando a gente fala de Segurança Pública, existe um processo com alguns estágios até se chegar à atuação da polícia. Quando chega à fase da atuação da polícia, é porque os estágios anteriores falharam. E quais seriam estes estágios? É o pai de família ter onde trabalhar, a criança ter escola para estudar, a família ter moradia digna. Isso tudo influencia na segurança pública”, comentou.

Assim como ocorreu o aumento de alguns crimes, o tenente-coronel destaca que também houve aumento da atuação do batalhão para dar resposta à ação dos bandidos. “A produtividade do 8º BPM, que é o número de apreensões e ações, por exemplo, também aumentou. Neste período ela ficou cerca de 40% maior”, justificou Louzada.

O Sistema
O que mais aflige a Polícia Militar, segundo o comandante do 8º BPM, é a quantidade de bandidos na rua, a maioria reincidente que, por algum tipo de brecha na lei ou falha no sistema, recebeu a liberdade e voltou a cometer delitos.

“O fato é que a gente tem muito tipo de bandido na rua cometendo todo tipo de delito. E o cidadão de bem sofre com isso. Mas de quem é a culpa? Tem que ser feita uma análise para responder esta pergunta. Muitos deles saem pela porta da frente das delegacias e dos presídios, seja por algum indulto ou outros benefícios. Mas isso não é culpa da Polícia Militar ou do delegado, é uma questão do nosso sistema. O policiamento tem ocorrido. De forma estratégica, temos tirado muitos bandidos de circulação”, afirmou Louzada.

Efetivo
O efetivo do 8º BPM hoje é formado por 1.050 policiais para cobertura dos municípios de Campos, São Francisco de Itabapoana, São João da Barra e São Fidélis. Louzada não comentou se o número seria ou não suficiente. Disse que são feitos planejamentos estratégicos para fazer a cobertura das quatro cidades de acordo com cada demanda.

“Com relação a números, é complicado falar. Se esse número é suficiente, não é suficiente, depende do momento, não vou entrar neste mérito. Há 10 anos, por exemplo, nós tínhamos um efetivo maior com uma demanda menor. É importante frisar que a gente trabalha de acordo com a necessidade, direcionando o efetivo que temos”, disse Louzada.

Menores infratores
O comandante chamou a atenção para a quantidade de menores cometendo delitos em Campos. O número de apreensões de menores de 18 anos aumentou quase 70%.

“É muito menor roubando e cometendo vários outros tipos de delito, inclusive envolvimento com o tráfico de drogas. Esse menor é apreendido pela polícia, entra na delegacia e sai em seguida. Isso dificulta bastante nosso trabalho”, destacou o tenente-coronel.

Menores executados
Outubro nem terminou e já foram registradas pelo menos quatro execuções de menores. As últimas mortes aconteceram no dia 18 e os corpos foram encontrados às margens da BR-356, próximo ao Centro de Eventos Populares de Campos (Cepop).

Segundo a família de Messias Rodrigues da Silva, 17 anos, uma das vítimas, ele teria saído de casa, na Tapera, no final da noite anterior, acompanhado de Yury Ribeiro Flor, 17 anos, que também foi morto. O crime foi registrado na 134ª DP.

Daniel Pontes de Mattos, de 16 anos, também está entre os menores executados. Seu corpo foi localizado na manhã do dia 3, em um matagal do Parque Aldeia, com vários tiros no rosto. O crime foi registrado na 146ª DP.

Delegado de Guarus cita abandono
Botando o dedo na ferida. Assim pode ser definida a entrevista do delegado Luis Maurício Armond, titular da Delegacia de Guarus, sobre a situação ‘do lado de lá’. Ele cita várias dificuldades, a falta de parcerias e ainda a ausência do poder público em comunidades carentes. O delegado ainda faz um alerta preocupante: ele afirma que, em pouco tempo, a violência em Guarus ficará incontrolável.

“Guarus precisa de mais atenção do poder público. Você vê aqui um campo fértil para a criminalidade, principalmente pelo abandono. Faltam boas escolas, saneamento básico, projetos de esporte e mais. Então, essas pessoas têm dificuldade de ascensão social e de cultura. Normalmente, nestes casos, o caráter não fica fortalecido para que a pessoa tenha as travas inibitórias que temos no nosso cotidiano”, garantiu. Ainda segundo Armond, a ascensão dessas pessoas é justamente na criminalidade. “Eles se destacam por serem criminosos, porque é o meio para eles terem dinheiro para usar drogas, sair com as garotas e por aí vai”, completou.

A Delegacia de Guarus é responsável por toda a área que fica entre a margem do Rio Paraíba e a divisa com o Espírito Santo. São 22 policiais civis que se revezam para cuidar de uma área que tem cerca de 200 mil habitantes. Além do poder público municipal, Armond afirma que também há pouca assistência de outras entidades organizadas.

“As pessoas de Campos só dão atenção para o outro lado. Ninguém quer saber das pessoas que morrem e que estão todas abandonadas aqui. Isso é uma falta de conscientização tremenda e eu já falei isso na Câmara, na prefeitura e para quem quiser ouvir e ninguém quer saber de nada. As organizações só querem saber de ajudar o lado de lá. Só querem saber das elites. Estão matando pessoas por causa do abandono e você vai fazer o quê? Pedir a Deus pra me ajudar, né?”, desabafou.

Este abandono, segundo o delegado da DP de Guarus, é o grande responsável pelo aumento da violência na área. Ele acredita que a tendência é que a situação se agrave. “O único local em Campos onde o tráfico pode crescer bastante e que pode se tornar um quartel da criminalidade é Guarus. Vai chegar a um ponto que Guarus vai ser incontrolável. Ninguém está me ouvindo. Quanto mais ausente o Estado é, mais a criminalidade toma espaço. Quando aqui virar um nicho da criminalidade, um lugar fechado e com dificuldade de acesso… os bandidos daqui vão ficar “com fome” e eles vão lá (do lado do Centro). Quem vai assaltar lá é quem é daqui. Vai ser igual filme de zumbi. Vão ter que se fechar lá”.

Mais agressivos – Segundo o delegado, há uma diferença do modo de agir entre os criminosos de Guarus e os que são da área Central e de outros bairros próximos. “Os bandidos de Guarus são mais agressivos entre si. Na área da Delegacia do Centro existe mais uma coordenação dos criminosos. Eles agem de maneira mais ordenada porque têm os freios inibitórios. Aqui, eles podem sair pela rua atirando. Os moradores veem, conhecem quem atirou e conhecem quem morreu, mas não falam nada porque têm medo. Aqui, eles são mais agressivos entre si e com a população também”.

Casas populares criminalizaram o Eldorado
Eldorado, Sapo e Sovaco da Cobra. Os três pontos são considerados os mais violentos e problemáticos de Guarus. De um lado, a violência dos criminosos. Do outro, os moradores que convivem diariamente com o medo. Segundo o delegado, o principal fator para a transformação destas áreas em reduto do crime foi a distribuição desordenada das casas populares.

“O problema são as casinhas. Isso é um fato. Eu não acho, eu tenho certeza. São pontos pobres e com a ausência de estrutura pública. As pessoas estão abandonadas e não há uma intervenção. Vocês acham que é só distribuir uma casinha ou dar uma migalha que vai resolver o problema? Não vai! Nesta região, a população tem medo e não tem apoio. Todo grande problema de criminalidade é a marginalização do local, é a ausência de poder público. Quando você abre o local para o movimento e a circulação das pessoas, a bandidagem tende a se esconder. Tem que botar alguém técnico para fazer a coisa andar e os poderes se unirem. Não é só a polícia que resolve”, desabafou o delegado Luis Armond.

Ainda segundo o delegado, ele chegou a buscar ajuda na Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social de Campos, mas não teve sucesso. “Eu sugeri uma melhor distribuição das casas, mas ninguém quis me passar como essa distribuição é feita, ninguém quis me ajudar a organizar. É justamente a mistura de facções que causa essas mortes no local. Eu ia colocar uma equipe nas ruas, mas as assistentes sociais não quiseram me dar as informações porque acharam que iam ser retaliadas. Vivemos um problema sério e a falta de visão futurista é algo que me dói”, lamentou.

Baixada Campista também preocupa autoridades
Diferente do que muitos podem imaginar, a área mais complexa para a Polícia Civil da Delegacia do Centro de Campos é a Baixada Campista e não mais as comunidades da Tira Gosto e Baleeira. E quando o assunto é crime, segundo o delegado Geraldo Rangel, titular da 134ª DP do Centro, os mais comuns são furtos e roubos e os que mais preocupam são os homicídios – que quase sempre estão ligados ao tráfico de drogas.

“A maioria dos chefes do tráfico da Baixada estão presos, mas há uma mudança porque os chefes e os soldados vão se renovando. O trabalho da polícia não tem fim, mas queremos diminuir os índices. Houve um crescimento de crimes muito grande na Baixada e lá é mais distante do Centro, então há uma circulação de viaturas menor naquela região”, comentou o delegado do Centro.

Assim como Armond, Geraldo Rangel também ressalta a necessidade de medidas sociais que colaborem para a diminuição dos índices da violência. “Não adianta só ter polícia. Há uma série de outros fatores. Tem que ter um trabalho social, geração de oportunidades e diminuição das desigualdades. Segurança pública, a própria Constituição diz, é um dever de todos”, finalizou.

Mandados de prisão não cumpridos

Há 30 anos, quando a população de Campos era bem menor, com pouco mais de 250 mil habitantes, o número de mandados de prisão não cumpridos ultrapassava os 500 em média. Hoje, graças à agilidade das três Varas Criminais da Comarca e a todo o processo de informatização, ficou mais fácil cumprir esses mandados.

A unificação das informações documentais do indivíduo facilita o cumprimento dos mandados. Muitas vezes, uma pessoa que tem um pedido de prisão, mesmo que tenha fugido, acaba identificada em uma blitz de rotina ou algo semelhante.

Mesmo assim, Campos tem hoje cerca de 150 mandatos de prisão expedidos pelas três Varas Criminais que não foram cumpridos. Na maioria dos casos, esses criminosos são julgados à revelia e, ao serem informados, acabam fugindo da cidade.